Espaço Cultural

GENTILEZA ESGOTADA





A livraria era suntuosa para os padrões vigentes. “Não temos nenhum título com essa palavra”, disse-me o livreiro, com um semblante de surpresa. Para ter certeza, repeti calmamente: procuro o livro “O Poder da Gentileza” – de Rosana Braga, Editora Minuano. “Esse livro não consta em nosso sistema e, segundo o Google, está esgotado no fornecedor”, disse-me ele demonstrando uma certa satisfação. O silencio que se seguiu, apressou os meus agradecimentos.




Fui a campo e procurei a maior rede de livrarias do País, onde obtive resposta similar. Desta vez porém, o vendedor acrescentou empaticamente: “O tema saiu de linha, já não desperta interesse, quase ninguém o procura; é uma pena”.




Sai dali meio desolado. A sociedade está enferma – “pensei com os meus botões”. Os fatos positivos e negativos deveriam se propagar com a mesma velocidade. No entanto, os acontecimentos negativos são aqueles priorizados e difundidos primorosamente pela grande mídia, inspirando e ampliando cada vez mais a neurose coletiva. Da mesma forma, por decisão soberana das forças de mercado, livros preciosos para a coletividade saem das prateleiras dando lugar a muitos outros de qualidade duvidosa. Qualquer mercadoria pode ser vendida à mercê de influencias sobre as quais não temos nenhum controle consciente. O homem perdeu o domínio sobre si mesmo.




Nesse novo ciclo de minha vida, talvez o último, tenho despertado para a necessidade íntima de libertar-me definitivamente dos estados mentais devastadores, da intolerância e da agressividade. O simples exercício mental de tratar a todos com mais brandura, tolerância e gentileza já me leva a experimentar um pouco do poder e da sensação maravilhosa dessa escolha.




Há alguns anos, tive a felicidade de testemunhar um raro exemplo de um líder generoso e compassivo, por sorte meu amigo e “irmão”, que resolveu implantar o “Projeto Gentileza” no seu ambiente de trabalho. O homem-gentileza, como muitos justamente o consideram, convidou seus colaboradores, desafiou o descrédito e o ceticismo usuais, e acabou por revolucionar a ambiência e a gestão, obtendo resultados extraordinários.




Naquele ambiente o espírito da gentileza ganhou centralidade, promovendo mudanças pessoais nas diversas esferas da vida de cada participante. Ao longo dos anos foi sendo criado um clima de grande confiança, solidariedade e harmonia. Não havia espaço, nem motivos, para disputas domésticas. Criou-se uma consciência democrática de construção coletiva, e de ajuda mútua, respeitando-se os direitos e deveres do próximo.




Um belo dia, uma participe do Projeto testemunhou em público:




- “Meu marido está perplexo. ‘Por que passei a trata-lo tão bem?’ Perguntou –me desconfiado. Respondi que foi a gentileza. Depois que ela entrou na minha vida, tomei consciência e resolvi cuidar primeiro das pessoas e depois das coisas. Não posso mais voltar atrás. Essa experiência beneficiou a mim, minha família, meus colegas de trabalho e, enfim, a todos em minha volta”.




Em outro momento, encontrei um companheiro de Empresa, lotado em outra unidade, que foi logo perguntando:




- Que lugar é aquele? Um dos homens que cuida da segurança recebeu-me na porta do Edifício com um caloroso aperto de mãos, deu-me boas vindas, acompanhou-me até o elevador e orientou o caminho até a sala de aula. Ao entrar no elevador, percebi que as pessoas se cumprimentavam com gestos calorosos e olhares desarmados. Cenas como essas, se repetiram dezenas de vezes durante toda a semana em que lá estive. Percebi que aquela ambiência era diferenciada. Você pode me explicar o que está acontecendo ali?




- As pessoas estão aprendendo conjuntamente a ser mais tolerantes, cordiais, pacientes, bondosas e, enfim, mais gentis no trato com as outras. A tomada de consciência é visível. A boa notícia tem se espalhado e muitos já se alistaram pleiteando trabalhar lá. E você? Perguntei-lhe em tom provocativo.




- Ah! Ficaria muito feliz se pudesse trabalhar num lugar como esse! Além do mais percebi com certa frequência uma pergunta no ar: Você está feliz?




Essa pergunta, essencial na vida de todos nós, tornou-se símbolo da gestão daquele órgão: Você está feliz? Estamos praticando algo diferente daquilo que nos propomos no nosso primeiro encontro? A resposta sempre foi a mesma. Um sorriso de felicidade, uma expressão de realização.




Hoje, muitos anos depois, tenho certeza os participantes daquela experiência ainda carregam na alma a pergunta fundamental: VOCÊ ESTÁ FELIZ? Nas circunstancias atuais, recorri a literatura e descobri que a Gentileza está esgotada. Por enquanto.

por Walter Brito
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